Uma baiana em Montreal: história de família e lembranças de casa

Brasil
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Daniel Pereira Milazzo

Quando ela ainda nem sabia ler e escrever, sua mãe veio estudar francês na UdeM. Quase três décadas depois, é a vez da baiana Mariana Brito mudar de hemisfério e dar continuidade à “tradição familiar”.

Ela vem da Bahia. Formou-se em Relações Públicas e Marketing pela Universidade Católica de Salvador. Fez mestrado em Comunicação Organizacional na Universidade Rei Juan Carlos, em Madri. Foi gerente de marketing no setor hoteleiro. Morou em Porto Velho-RO. Voltou para Salvador. Criou uma marca de alimentos saudáveis. A investida cresceu rápido. “Aí pensei: ou eu invisto ou eu fecho”. Fechou. 

A sequência dos acontecimentos na vida de Mariana acompanha o ritmo de sua fala. “Você já percebeu que eu gosto de contar histórias, né?” Pois bem, em 2014 ela vem a Montreal para aprender como contar suas histórias também em francês. Repetia assim os passos da mãe, mas com uma diferença: “Eu já sabia que queria vir para cá para ficar e para fazer dar certo”. Além dos relatos positivos de alguns amigos que já moravam aqui, a qualidade de vida foi uma das principais razões que fizeram Mariana escolher Montreal. Ficou.

Hoje ela se comunica muito bem em francês – considera ter um nível avançado – e está satisfeita com o andar dos planos, mas não sem que fossem necessárias algumas correções de tempero. “Quando cheguei, eu estava tentando priorizar a culinária. Comecei a pegar alguns trabalhos aqui e aí vi que a vida em restaurante é muito sacrificante. Fui ponderando com a realidade. Até então a comunicação não tinha passado na minha cabeça”, relata.

O peso de um diploma da Université de Montréal e o aspecto financeiro também fizeram pender a balança. “Já que vou dar meu dinheiro suado, deixa eu ver se pelo menos estudo comunicação, que já conheço, que gosto, vou aproveitar mais.” Então, no outono de 2015 ela começou o mestrado em Comunicação na UdeM. Entre as quatro áreas de especialização possíveis, ela optou pela Comunicação Midiática.

No entanto, a baiana teimava em incluir a culinária nos seus projetos, mesmo no mestrado. “Primeiro eu queria falar do acarajé. Sabia que queria falar sobre algo da minha terra... Mas aqui não tem acarajé! Então como é que eu ia achar fonte para falar disso?” Faltavam ingredientes básicos para ir adiante com a ideia, mas o importante continuava sendo o laço afetivo com o tema a ser escolhido. “Eu sabia que a pesquisa ia me consumir muito, você já tem que escrever numa língua que não é a tua, tudo exige muita dedicação. Então você tem que escolher algo que goste. Eu pensei em algo que me desse prazer e que lembrasse minha casa.”

Ela elegeu a capoeira. “Claro!”, interrompo, “então em Salvador você já fazia...” Nada disso. A primeira vez que Mariana entrou numa roda de capoeira foi em Montreal mesmo, e o mote da pesquisa é entender por que ela é praticada aqui. A baiana não pretende traçar um panorama geral da capoeira na metrópole quebequense. Pelo contrário, sua pesquisa se desenvolverá a partir de um universo restrito de análise, no caso, uma única escola que ensina a capoeira chamada regional.

Em meio a gestos expansivos, Mariana conta como foi entrando incauta no mundo da capoeira, conhecendo aos poucos os rituais e a estrutura hierárquica que os sustenta. Junto de sua orientadora, ela decidiu admitir uma abordagem antropológica na sua postura científica e designou a etnologia como metodologia. Isto é, ela precisa entrar e participar da dinâmica de seu próprio objeto de estudo. “Sou pesquisadora, aluna, baiana... A etnografia é uma metodologia da pesquisa qualitativa, mas que envolve a presença do pesquisador”, explica.

“E o professor, imagino que venha do Brasil...”, emendo outra observação desengonçada. “Nova Escócia, acredita?!” [A Nova Escócia é uma província do leste canadense, distante quase 7.000 km da Bahia.] O professor dela é um contramestre – um dos mais altos níveis na hierarquia da capoeira – e está no centro da pesquisa de Mariana. “Quero contar história e o highlight vai ser ele. Para ele, a capoeira é tudo, é o que ele respira, é o que ele come... Porque o corpo é a capoeira.” 

E quais conclusões ela pensa alcançar no fim do mestrado? “Eu não posso concluir nada na minha pesquisa. Minha conclusão é sempre fomentar questionamentos. A comunicação só faz isso.”

Você já percebeu que ela gosta de contar histórias, né?

Daniel Pereira Milazzo
#Jornalismo #Literatura #Bicicleta

Daniel é jornalista e doutorando em Literatura Comparada na Université de Montréal, onde pesquisa a relação do homem com a eternidade. Eclético, ele se interessa tanto por Tintin quanto por Spinoza, gosta tanto de futebol quanto de música clássica. Apaixonado por línguas, fala português, inglês, francês e espanhol, entende um pouco de italiano e está estudando alemão…